Nadador brasileiro tentará ser o primeiro sul-americano a cruzar Estreito de Tsugaru

Por Alex Kinjo em 13-06-2020   Destaque


TopBR.JP –Ex-nadador e ultramaratonista aquático profissional radicado há um ano Japão, Ulisses Carvalho Utida (36), planeja cruzar o Estreito de Tsugaru em 2022, se tornando o primeiro sul-americano a obter o feito. A etapa japonesa faz parte do desafio Oceans Seven composta pelas sete principais travessias aquáticas do mundo: Canal da Mancha, Canal de Catalina, Estreito de Gibraltar, Canal do Norte, Canal Molokai, Estreito de Coock e Estreito de Tsugaru.

O local da prova no arquipélago japonês está situado nas águas profundas entre a ilha de Honshu e a de Hokkaido num trajeto oficial de 30km. Segundo especialistas, a distância de 19,5km no seu ponto mais estreito é uma das mais difíceis do circuito mundial devido às águas geladas, fortes correntezas, fortes ondulações e adversidades previsíveis e imprevisíveis da área entre o Mar do Japão e o Oceano Pacífico.

“Da América do Sul, apenas um argentino tentou duas vezes, porém não conseguiu completar. Quem conseguir, certamente entrará para a história”, afirmou Ulisses acostumado a enfrentar os riscos de nadar em mar aberto com temporais, tubarões, águas-vivas, entre outros. Calcula-se o tempo de no mínino 10 horas para a conclusão do percurso. O participante deve usar somente sunga, óculos, touca e pomada Lanolina para auxiliar a manutenção da temperatura corporal.

Após ter a inscrição avaliada e aprovada, o desafio é realizado de forma individual na janela climática (julho à setembro) favorável à execução da travessia com uma embarcação de apoio com bombeiros, médicos e familiares e outra da organização responsável por monitorar a performance do atleta. Na pausa para hidratação e alimentação, o atleta não pode encostar no barco ou receber ajuda para manter sua flutuação, caso contrário, será automaticamente eliminado.

O orçamento previsto para ingressar no desafio supera 1 milhão de ienes. A inscrição custa 600 mil ienes, porém o candidato precisa ter seguro de vida internacional e estrutura de amparo com nutricionista e outros profissionais no suporte, além de avaliação no histórico de atleta. Na retaguarda, Ulisses conta com a assessoria de Rodrigo Bardi da empresa Bardi Swimming Team, que trabalha com vários atletas de renome.

TÍTULOS NA PISCINA, DRAMA PESSOAL E REDENÇÃO NA ULTRAMARATONA AQUÁTICA
Nascido em Panorama (SP), numa família de nadadores que inclusive possui escola de natação e hidroginástica e criado à beira do Rio Paraná, Ulisses tem quase 30 anos de vivência no esporte. Nadou em clubes famosos como a Hebraica, aprovado no projeto social Futuro, de preparação de novos talentos comandado por Ricardo Prado, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos de 1984, e que marcou a trajetória de vários jovens nadadores de 14 e 15 anos, e Santa Cecília.

Nas piscinas, sagrou-se campeão paulista nos 400 metros livre (com Ricardo Prado como técnico), vice-campeão paulista nos 200 metros medley, participou quatro vezes do Troféu Brasil de Natação (maior competição nacional da modalidade), foi finalista nos Jogos Abertos do Interior do Estado de São Paulo pela cidade de Santos e quinto colocado no campeonato brasileiro dos 400 metros medley.

No fim da carreira como nadador, Ulisses Utida enfrentou um drama pessoal. Ao lidar com muitas cobranças e pressões por resultados, passou por momentos difíceis atuando na equipe de Presidente Prudente em 2006. Naquele momento, novas modalidades ganhavam força no cenário nacional  e internacional no movimento olímpico e ele passou a se interessar pelas maratonas (até 10km) e ultramaratonas (acima de 10km) aquáticas até fazer oficialmente a transição.

Ainda como profissional, Utida disputou seletivas para os Jogos Pan-Americanos do Rio (2007) e dos Jogos Olímpicos de Pequim (2008). Tentou prolongar a carreira até 2009, porém os problemas se acentuaram culminando em depressão e posteriormente síndrome do pânico.

Em 2009, seu pai, Paulo Roberto dos Santos (Paulo Paranaguá), ex-atleta do Santos e recordista reconhecido pelo Guinness Book em 1997, como a primeira pessoa no mundo a nadar 140km ininterruptamente, promoveu ao lado de outros organizadores o Desafio (revezamento) da Ilha do Mel.

Atravessando um momento pessoal conturbado, Ulisses recordou a trajetória de superação de Dailza Damas, nadadora de grandes travessias que havia conhecido e conversado pessoalmente em 2007, e que faleceu em 2008. Ela começou a nadar aos 28 anos e foi a segunda brasileira a atravessar o Canal da Mancha no ano de 1992.

Damas dedicou o feito à atleta Renata Agondi, grande nome da natação dos anos 80, que morreu no local em 1988 numa tentativa marcada por erros de orientação da organização. Sua morte provocou grandes mudanças na natação mundial em águas abertas.

Utida leu a biografia de Agondi publicada no livro Revolution 9, de Marcelo Teixeira, e recebeu das duas nadadoras lendárias muita inspiração, motivação e a autoconfiança necessária para decidir disputar o desafio enfrentando críticas e a desconfiança daqueles que achavam que ele não seria capaz.

“Fui taxado de louco e suicida por nadar num mar com tubarões e cheio de perigo. Todo o processo de preparação foi bem complicado, mas consegui me encontrar. Em todo o percurso da prova, ia me confrontando lutando comigo mesmo e vencendo minhas limitações”, explicou o nadador que foi o primeiro a concluir a prova sozinho sem revezamento.

“A cada metro que nadava me sentia mais forte. Choveu, ventou. Nadei duas horas contra a correnteza e tudo o que podia acontecer para dificultar, aconteceu. Quando estava próximo à chegada em Paranaguá, vi a torcida gritando e fui eliminando toda aquela situação ruim dentro de mim. Olhei para o mar e dei um grito de desabafo e renovação. Era aquilo o que queria para a minha vida e passei a me dedicar 100% para a ultramaratona”, completou.

Em 2010, Utida encarou o desafio Antonina-Paranaguá e concluiu os 43km de percurso em 10h33min. O comandante do Porto de Paranaguá parou os trabalhos das embarcações e liberou o local por duas horas especialmente para a travessia de Ulisses. Daí em diante, o nadador se retirou das competições para se dedicar à sua vida particular.

JAPÃO: PARCERIA NA VIDA E RETORNO AO PÓDIO
Ulisses casou-se em 2017 com a nutricionista pós-graduada em nutrição esportiva, Janaína Utida que o convenceu a retornar para as competições. O pedido de casamento foi feito após o término da prova ‘12 horas Noturno’ com 65km percorridos das 21h às 9h no Rio Paraná. “Eu estava trabalhando dando aulas de natação e hidroginástica quando a conheci. Estava acima do peso e ela me ajudou muito colocando o meu potencial dentro de mim novamente até que decidi voltar”.

No fim do ano, disputou a  edição comemorativa dos 50 anos da ultramaratona aquática “14 Bis”, com 24km, da base do Exército até a base da Marinha em Santos (SP), com mais de 500 participantes incluindo os melhores nadadores do Brasil e atletas internacionais ficando em 10º lugar no geral. Em boa parte do trajeto, brigou pelas primeiras colocações.

Com a esposa Janaína, Ulisses chegou ao Japão no ano passado. Atualmente reside em Kosai (Shizuoka) e trabalha na linha de montagem da Suzuki, conhecida entre os brasileiros pela alta velocidade de produção. “Cheguei e entrei numa linha muito rápida. Procuro focar que estou numa prova de 10 horas e aplico todo o condicionamento das águas para me movimentar. Na parte psicológica, penso que estou indo treinar e assim não entro em paranóia e não sinto os efeitos cansativos do nikotai”.

Treinando na Hamanako Swimming School, Ulisses se afiliou à federação japonesa e foi escolhido pela escola para representar a entidade numa competição master em Hamamatsu, em setembro de 2019. Com tatuagens no corpo, ele teve de passar por inspeção até receber a liberação da confederação em Tóquio para nadar no evento.

“Nunca almejei retornar às piscinas para competir. Fui para ajudar a escola. Eles me deram todo o apoio e acompanhamento até receber a autorização. Foi diferente porque alí nunca viram um estrangeiro tatuado nadando. E retribuí todo o apoio deles conquistando duas medalhas de ouro”, recordou.

Em sua jornada no arquipélago, Utida agradece o amor da esposa Janaína e os conselhos do amigo e triatleta Roberto Ieiri. No apartamento, transformou um quarto em escritório para esposa prestar atendimento nutricional para outros atletas no país.

Para o projeto do Desafio de Tsugaru, ele está aberto à parcerias e patrocínios que o ajudem na concretização do objetivo. “Será um marco para o Brasil e quem estiver junto também ficará lembrado para sempre por fazer parte da conquista”, finalizou. Mais informações e contato pelas redes sociais do atleta:
Instagram: @ulissesmaratona. Facebook: Ulisses Carvalho.

Fotos cedidas: